Quando ela chega, não dá para ignorar. Vem com vontade e requisita toda a atenção. Não tem hora marcada, dia apropriado, nem faz distinção: solteira ou casada, magra ou gorda, alta ou baixa, rica ou pobre. Simplesmente aparece sem ser convidada. E o pior: exige tratamento VIP, com direito a compras desnecessárias, bebidas e chocolates. O nome da visita? Carência. Um sentimento que traz uma sensação intensa de vazio. Como lidar com ela?
Medo da solidão
"Este sentimento está relacionado ao medo da solidão. Muitas pessoas precisam do outro para estarem bem", diz a psicóloga Karen Camargo, que afirma ser normal passar por momentos de fragilidade na vida tanto na infância, quando a criança necessita dos cuidados da mãe, como também na fase adulta. O fato é que não podemos precisar do outro com tanta freqüência. "É impossível que alguém preencha nossa carência 100% do tempo. É necessário que se aprenda a lidar com a vida de uma maneira solitária. Nascemos e morreremos sós", observa.
A psicóloga destaca que, apesar de necessário, aprender a não depender emocionalmente dos outros é dolorido. "A cultura, de certa forma, nos solicita estarmos com alguém. A mulher que não se casa ou namora depois dos 30, por exemplo, fica pra 'titia' na visão da sociedade. É uma cobrança muito grande", diz Karen.
“É ruim admitir que precisamos do outro para ser feliz ou que temos medo da solidão. Pode ser, para alguns, sinônimo de fraqueza”
Desamor
Esse alguém do qual "se precisa" não vai estar apenas nos relacionamentos amorosos. Pode estar também nas amizades, na família etc. A carência remete à falta de amor - sentimento que pode ser encontrado e cultivado em vários tipos de relações. "Não quer dizer que a pessoa não receba amor. Trata-se de uma avaliação pessoal, que pode não ser real", comenta o psiquiatra Luiz Alberto Py, autor do livro "Saber Amar".
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Segundo Py, ao estar carente a pessoa quer ser amada não só no presente, mas por tudo que já faltou para ela no passado. Ou seja, a carência de cada um depende da história de vida que carrega. Pode ser leve e ser sanada com um colo e cafuné. Ou não. Pode perdurar e sair do controle. Como diz a letra de Cazuza, a pessoa segue "levando em frente/um coração dependente/viciado em amar errado/crente que o que ele sente/é sagrado".
O sentimento de desamor ou falta de atenção do outro torna-se um problema quando não se consegue suprir a necessidade individual idealizada. De acordo com Luiz Alberto Py, quando não se consegue administrar a situação, de duas uma: ou começa a cobrar manifestações de amor ou canaliza isso para outro lugar. Ou seja: compra muito, come demais, fuma, bebe, faz coisas que aliviam o sentimento ruim. Mas não o resolvem.
"Eu não fazia compras de 500 reais de uma vez, mas sempre ia ao shopping, ao cinema, à praça de alimentação. Pelo menos, tinha movimento", conta a jornalista Fernanda Martins que foi para Campinas (SP) estudar Lingüística. Acabou estudando e conhecendo melhor a si mesma, e superando a carência que sentia há dois anos. "Eu me sentia largada, sem referência, o que piorou quando eu e meu namorado terminamos. Descobri que eu era carente mesmo com ele", diz.
A jornalista afirma que, muitas vezes, conversava com as pessoas em busca de ajuda e carinho, mas acabava as afastando porque agia com agressividade. "A gente idealiza muito o cuidado que queremos ter dos outros, a atenção que queremos das coisas e do mundo. Toma atitudes esperando recompensas para aliviar esse sentimento. E elas nem sempre vêm!", explica.
A volta por cima
Depois do tempo em São Paulo, Fernanda diz que percebeu que a carência não iria ser preenchida por alguém, mas por ela mesma, deixando de se cobrar tanto. "Quando queremos muito namorar alguém, por exemplo, fazemos de tudo para prender essa pessoa para não sentir mais um fracasso pessoal. Só que não é dessa forma que a coisa funciona", ressalta. Conclusão a que chegou com o auxílio de uma terapia.
Com as sessões, Fernanda acabou decidindo passar mais tempo sozinha: "Eu precisava me sentir bem, mesmo só. Fui fazendo as pazes comigo". Foi quando tudo melhorou. Hoje morando em Juiz de Fora, ela cita a música "Immature" da Björk: "Como eu pude ser tão imatura/ao achar que ele compensaria/ os elementos faltosos em mim?". Fernanda deixou de sentir carência? Não. Só que quando ela aparece, a moça, no máximo, toma um cafezinho.
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